Com uma mistura de disputas seculares por fronteiras, instabilidade econômica e presidentes imprevisíveis está dando um nó de pelo menos US$ 274 bilhões no comércio de energia da América do Sul. O embaraço ameaça frear o desenvolvimento de uma região que poderia não apenas ser autossuficiente, mas aumentar suas exportações de gás, petróleo e biocombustíveis em um século que será marcado pela escassez de energia não-renovável.
Mas apesar da fartura de suas reservas, os governos sul-americanos vivem perdidos em um roteiro de apagões elétricos, racionamento e crise que afasta investidores estrangeiros e castiga seus próprios consumidores. Nem a riqueza de recursos hídricos e o pioneirismo do biodiesel foram capazes de reverter esse quadro.
O cenário é rico em contradições, como a da Venezuela ? país superprodutor de energia que, desde fevereiro, apaga as luzes por 4 horas diárias em dias alternados por não ter investido no setor no momento em que o país crescia 6% ao ano.
O Equador, que também impôs apagões diários a seus cidadãos, entre novembro e janeiro, um mês depois de embargar uma hidrelétrica que era construída pela brasileira Odebrecht e de negar-se a pagar um crédito de US$ 243 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiava a obra.
A Bolívia do presidente Evo Morales colocou o Exército nas portas da Petrobrás, em maio de 2006 e, quatro meses depois, confiscou as instalações e o fluxo de caixa das refinarias da estatal brasileira.
Estamos passando por um ciclo de governos que mesclam seus objetivos políticos e ideológicos de curto prazo com as estratégias de energia, que, para funcionar, exigiriam segurança jurídica e estabilidade por períodos muito longos, que transcendam a duração de um ou dois mandatos presidenciais, disse ao Estado Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Um dos sinais mais evidentes do fracasso da política de integração energética é o resultado da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa), criada há dez anos para resolver não apenas os nós energéticos, mas também os entraves nas áreas de transporte e comunicações.
O último relatório do Iirsa revela que dos 58 projetos na área de energia, apenas 11 foram concluídos. O potencial de negócios ? só para a construção de barragens, linhas de transmissão e gasodutos ? chega a US$ 70 bilhões, mas, mesmo assim, poucas construtoras se aventuraram em investir no setor.
O nó energético, contudo, não é recente, muito menos restrito aos governo bolivarianos. O Chile ? país que, do fim da ditadura, em 1990, até março deste ano, foi governado por uma coligação de centro-esquerda ? ocupa a pior posição no ranking energético sul-americano, mesmo tendo enorme potencial hidrelétrico e sendo vizinho da Bolívia, o maior produtor de gás natural da região.
Uma guerra entre os dois países, há 131 anos, fez com que as relações diplomáticas entre La Paz e Santiago fossem cortadas e o gás boliviano tivesse de tomar um desvio de 4.500 quilômetros pela Argentina, até voltar ao Chile. No inverno, quando o consumo de gás aumenta em Buenos Aires, os chilenos têm de recorrer à lenha para se aquecer.
Crise. Depois de o quinto pior terremoto já visto na história ter destruído parte do país, em 27 de fevereiro, os chilenos parecem ter abandonado definitivamente qualquer plano de instalar usinas nucleares em seu território. Portanto, a alternativa ao gás boliviano poderia estar mais ao norte, no Peru, que atualmente consome 6 mil megawatts de energia hidrelétrica, embora tenha um potencial para gerar três vezes mais.
No entanto, uma polêmica desatada em maio pela simples menção da intenção de exportar gás peruano para México e Chile foi suficiente para que o líder nacionalista e virtual candidato à presidência peruana Ollanta Humala dissesse que os peruanos "já estão vivendo uma crise energética". Para ele, Lima "não garantiu um horizonte de segurança energética que atenda sequer os próximos 20 anos".
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