Terra do mico-leão-dourado, da onça-pintada, do bicho-preguiça. Enfeitada pela delicadeza e a beleza das orquídeas, dos ipês, dos jacarandás e, ao mesmo tempo, premiada com a imponência dos jequitibás. Essas são apenas algumas das riquezas naturais da Mata Atlântica, considerada patrimônio nacional pela Constituição Federal e que, desde 1999, por meio de Decreto Presidencial, ganhou um dia especial de comemorações: 27 de maio.
A data escolhida para o Dia Nacional da Mata Atlântica faz referência a 27 de maio de 1560, dia em que o Padre Anchieta assinou a Carta de São Vicente, documento no qual descreveu, pela primeira vez, a biodiversidade das florestas tropicais.
Em 2010 – instituído pela ONU o Ano Internacional da Biodiversidade -, as comemorações da Mata Atlântica aconteceram em conjunto com a celebração do Dia Internacional da Biodiversidade, em 22 de maio.
Para a data, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) organizou o Seminário sobre Sustentabilidade e Conservação da Mata Atlântica, em São Paulo, no Parque Ibirapuera, em parceria com o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e a Rede de ONGs da Mata Atlântica, e com o apoio da GTZ – Projeto Proteção da Mata Atlântica II, da SOS Mata Atlântica/Viva a Mata e da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo. Essas instituições integram o Pacto pela Recuperação da Mata Atlântica, que pretende recuperar 15 milhões de hectares de matas até 2050.
O Seminário serviu para solicitar aos candidatos às eleições presidenciais deste ano que assumam compromissos explícitos de proteção à Mata Atlântica e apresentem posição firme no cumprimento das metas de criação de unidades de conservação e na recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs), principalmente em topos de morros e às margens dos rios, e das Reservas Legais dos imóveis rurais.
No encontro, a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica entregou o Prêmio Muriqui às entidades públicas e privadas que se destacaram em benefício da proteção da biodiversidade, do desenvolvimento sustentável ou do conhecimento científico e tradicional na Mata Atlântica. O prêmio foi instituído em 1993 e já homenageou importantes nomes que contribuíram na defesa da Mata Atlântica, entre eles Paulo Nogueira Neto, José Lutzemberger e Russell Mittermeier.
Recuperação urgente - A Mata Atlântica é um dos conjuntos de ecossistemas mais ricos em biodiversidade do mundo. É composta por formações florestais, além de campos naturais, restingas, manguezais e outros tipos de vegetação considerados ecossistemas associados. Sua área original cobria cerca de 15% do território nacional, uma superfície equivalente à aproximadamente 1,3 milhões de Km². Atualmente, a região da Mata Atlântica concentra cerca de 120 milhões de habitantes, abrange integral ou parcialmente quase 3.400 municípios de 17 estados, inclusive as maiores metrópoles do País, como Rio de Janeiro e São Paulo.
Mesmo assim, é o conjunto de ecossistemas mais alterado em sua cobertura original devido à intensa exploração econômica e ocupação, desde o período colonial, com a especulação do pau-brasil, o cultivo da cana de açúcar e o inicio da mineração do ouro, seguido do ciclo do café e da industrialização. Reduzida a aproximadamente 27% de sua área original e distribuída em milhares de pequenos fragmentos, os remanescentes de vegetação nativa ainda guardam altos índices de biodiversidade de fauna e flora e prestam inestimáveis serviços ambientais de proteção de mananciais hídricos e de contenção de encostas.
Segundo o recente levantamento divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pela Fundação SOS Mata Atlântica, com dados do período entre 2005 e 2008, restaram apenas 7,91%(102 mil km²) de área remanescente bem conservada em fragmentos acima de 100 hectares – a maior parte em propriedades privadas, concentrados em regiões serranas e de difícil acesso e exploração no Sul e Sudeste.
Das 396 espécies de animais consideradas oficialmente ameaçadas de extinção no Brasil, 350 são da Mata Atlântica. Em 1989, esse número era 171. Atualmente, a Mata Atlântica é detentora de 65% das espécies da fauna e de mais de 50% das espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção. No caso das aves, um estudo publicado pela revista britânica Nature, aponta que pelo menos 88 espécies de aves endêmicas da Mata Atlântica estão ameaçadas.
Com tantas riquezas, mas também com tantas fragilidades, a situação delicada da Mata Atlântica requer conservar o que restou, e principalmente investir em políticas de recuperação. Para isso, o Programa da Mata Atlântica do MMA conta com o apoio financeiro do governo alemão que irá investir seis milhões de euros nesta fase inicial, que vai de 2010 a 2012, para consolidar o Sistema de Unidades de Conservação e Áreas Protegidas da Mata Atlântica; recuperar ecossistemas alterados e áreas remanescentes; e promover o uso sustentável dos recursos naturais da região.
Parte dos recursos será aplicada para fomentar os planos municipais de recuperação e uso da Mata Atlântica. A idéia é orientar tecnicamente e criar o estímulo necessário para que os municípios se antecipem e iniciem a elaboração e a execução de seus planos, pois, mesmo que se trate de um processo voluntário, os planos municipais estão previstos na Lei da Mata Atlântica (nº 11.428, de 2006) e são pré-requisito para que os prefeitos acessem os recursos do Fundo Mata Atlântica, já em processo de regulamentação.
De acordo com o diretor de Florestas do MMA, João de Deus, a lei prevê que os municípios façam os planos sozinhos, buscando recursos de parceiros. “Como a Mata Atlântica passou por um processo de intervenção muito acentuado e hoje o percentual de remanescentes está muito distante do mínimo entendido como satisfatório para garantir a manutenção a longo prazo dos processos ecológicos – em torno de 35% a 40% da biologia da conservação -, acredito que é necessário fazermos um grande pacto entre sociedade civil, órgãos governamentais e, principalmente, com os municípios”, ressalta o diretor, lembrando que os prefeitos interessados podem buscar apoio do Fundo Nacional do Meio Ambiente, e do próprio Programa Mata Atlântica.
Conquistas – Com a aprovação das últimas resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), no final de 2009 e início de 2010, o MMA conseguiu concluir todo o processo de regulamentação da Lei Mata Atlântica. Foram instituídas regras para as vegetações que faltavam: restinga (nº 417/2009) e campos de altitude (nº 423/2010). “Hoje podemos dizer que Lei da Mata Atlântica está com plena condição de ser operada em toda a sua dimensão”, afirma João de Deus.
Na prática, a aprovação das Resoluções do Conama acaba com uma situação de tensão que havia, pois os órgãos ambientais não podiam licenciar nada nessas áreas enquanto não existisse a regulamentação prevista na lei. “Agora a lei permite licenciar para campos de altitude e restinga, que podem ter conversões desde que a vegetação esteja em estágio inicial. Se a vegetação estiver em estágio médio ou avançado existem algumas limitações, como o licenciamento para áreas de utilidade pública ou interesse social. O que a lei veda é a conversão de remanescentes que sejam caracterizados como primário ou em estágio avançado”, explica João de Deus.
A grande importância das Resoluções é que elas definem tecnicamente e de forma clara como classificar essa vegetação, já que lei estabelece os limites de uso com base nessa caracterização. “Entre 2009 para 2010 houve um ganho importante ao completar essa regulamentação, não só para a segurança jurídica, mas principalmente para dar efetividade à lei”, comemora o diretor.
Outra conquista é uma proposta de resolução que trata da metodologia de recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) que deve ser votada em plenária do Conama em agosto. “No entanto, já podemos comemorar o feito de ter sido concluído esse processo de discussão muito delicado e que começou em 2007. Para os planos municipais de recuperação de Mata Atlântica é essencial, pois essa Resolução vai estabelecer parâmetros claros de como se deve proceder, do ponto de vista metodológico, para fazer a recuperação dessas áreas”, diz João.
Atualmente, o processo é muito burocrático para quem deseja fazer voluntariamente recuperação de APP, o que acaba sendo desestimulante. “Isso porque o cidadão corre o risco de ser autuado por fazer intervenção indevida em APP”, explica o diretor. Para não correr o risco de ser autuado pelo Ibama, pela Polícia, ou pelo órgão ambiental estadual, o caminho é contratar um técnico para fazer um projeto registrado em órgão ambiental e solicitar licença ambiental para recuperar a APP.
“Entendemos que isso é um contra-senso. O cidadão que quer voluntariamente ajudar a recuperar APP está sujeito a ser multado. A Resolução subverte esse processo. Primeiro para eliminar esses entraves de ordem burocrática que não se justificam. Depois, pelo caráter pedagógico, pois traz um procedimento que serve de instrumento de orientação técnica para que as pessoas, mesmo voluntariamente, seguindo a Resolução, tenham um padrão que garanta a efetividade desse processo, até para evitar que sejam feitos investimentos inadequados que dêem retorno pequeno de preservação”, destaca o diretor.
Além disso, quando for aprovada pelo Conama, a Resolução permitirá que o proprietário, seja ele pequeno, médio, ou grande – que de alguma maneira degradou área de APP e, por isso, tem um passivo ambiental, conforme o Código Florestal -, tenha condições de, seguindo as orientações da norma, liquidar esse passivo.
Para a secretária de Biodiversidades e Florestas do MMA, Maria Cecília Wey de Britto, medidas como essas demonstram que, mesmo sendo a região mais ameaçada e fragmentada, a reversão do atual cenário da Mata Atlântica já é uma história de sucesso da sociedade. “Nos últimos 20 anos, a sociedade civil tem pressionado os governos federal, estaduais e municipais para regulamentar um arcabouço jurídico que impeça o desmatamento e, simultaneamente, estimule pesquisa científica e a criação de unidades de conservação.”
Segundo ela, este tipo de movimento já colhe resultados positivos, como o aumento de mata nativa em algumas áreas de vegetação remanescente, como em São Paulo, por exemplo. “Com o apoio de inúmeras instituições públicas e privadas estamos saindo de uma situação caótica para um cenário que permite vislumbrar presságios de boas perspectivas de melhora”, explica.
Ocupação irregular – A maior parte das áreas sensíveis no Brasil está em área de ocorrência da Mata Atlântica e tem uma vinculação direta com o relevo acidentado. O mapa digital do terreno do Brasil mostra que temos uma topografia relativamente plana na maior parte do território e uma área de escarpas extremamente acentuadas na faixa litorânea.
Na Mata Atlântica existem esses terrenos de maior inclinação e, consequentemente, maior suscetibilidade a escorregamentos e deslizamento de blocos de rocha. O resultado são os desastres recentes e sucessivos nessas áreas de urbanização que ocorreu de forma inadequada e irregular.
Com os graves casos de desabamentos no Rio de Janeiro e de inundações em São Paulo ocorridos esse ano, o diretor João de Deus percebe que, pela primeira vez, mudou de foco a postura do Governo que, de modo geral, sempre teve a tendência de procurar medidas para regularizar essas ocupações e acabar com a ilegalidade.
“Hoje não é uma questão simplesmente de formalizar, de regularizar, mas avaliar que em determinadas áreas a ocupação se deu de forma inadvertida e regularizar significa manter as pessoas num risco que é inadmissível. Apesar de impopular e difícil de implementar, já é percebido que é necessário assumir a remoção das ocupações em áreas inadequadas”, adverte João.
Publicação - Além de cuidados, a exuberância da vegetação e as belezas cênicas também inspiram a necessidade de disseminar informações sobre o bioma. Para isso, a Secretaria de Biodiversidades e Florestas (SBF) do MMA reuniu em 408 páginas o conhecimento que existe sobre modelos de conservação, de valorização e de utilização sustentável da biodiversidade e do patrimônio genético no livro Mata Atlântica – Patrimônio Nacional dos Brasileiros.
A publicação está concluída e deve ser lançada no início de junho, junto com as comemorações da Semana do Meio Ambiente. Ao todo serão impressos 10 mil exemplares e a distribuição será feita pelo CID – Ambiental do MMA para prefeituras, escritórios regionais do ICMBio nas unidades de conservação, para parceiros da Rede ONGs da Mata Atlântica e também para autoridades dos três poderes.
O livro traz informações importantes para o planejamento e desenvolvimento de políticas públicas e demonstra que enchentes e deslizamentos de terra, como os ocorridos em Santa Catarina no final de 2008 e em Angra dos Reis e São Paulo no início de 2010, são exemplos dos problemas provocados pela falta de planejamento e ocupação inadequada das áreas de risco, muitas delas consideradas APP, como é o caso das encostas com declividade superior a 45º, dos topos de morro e das margens de nascentes, riachos e rios.
O coordenador do Núcleo Mata Atlântica e Pampa da SBF, Wigold Schäffer, responsável pela organização do livro e um dos principais colaboradores da publicação, esclarece que o objetivo é mostrar as experiências bem sucedidas que estão sendo implementadas nos estados em termos de conservação e o uso sustentável. Também tem o objetivo de motivar ações de recuperação da biodiversidade, haja vista os altos índices de biodiversidade mesmo na pequena área de vegetação remanescente.
“O livro mostra o lado positivo do que está sendo feito e prova que podemos reverter a degradação dos 500 anos do modelo econômico que optamos, por outros 500 anos dedicados à recuperação e desenvolvimento sustentável, inclusive com a participação dos cidadãos”, destaca Wigold.
Segundo ele, isso não é difícil. “A recuperação é extremamente rápida. Apenas interrompendo a degradação e contando somente com a reação da própria natureza, a vegetação nativa volta num período de três a cinco anos, o que já garante alguns dos principais serviços ambientais, como a proteção dos recursos hídricos e das encostas”, garante. Para acelerar o processo, uma alternativa é plantar mudas de espécies nativas pioneiras que são de crescimento mais rápido e, ao mesmo tempo, reintroduzir outras espécies que teriam dificuldade de nascer tão rapidamente no local, aumentando assim a biodiversidade. (Fonte: Melissa Silva/ MMA)