terça-feira, 14 de setembro de 2010


ESPUMAS FLUTUANTES
Castro Alves






            Antônio Frederico de Castro Alves (Curralinho, 14 de março de 1847Salvador, 6 de julho de 1871) foi um poeta brasileiro. Nasceu na fazenda Cabaceiras, a sete léguas (42 km) da vila de Nossa Senhora da Conceição de "Curralinho", hoje Castro Alves, no estado da Bahia.

Verso 3
Quem dá aos pobres, empresta a Deus.
Eu, Que a pobreza de meus pobres cantos
Dei aos heróis -- aos miseráveis grandes -- ,
Eu, que sou cego,  -- mas só peço luzes...
Que sou pequeno,  --  mas só fito os Andes....
 
 
Canto nest'hora, como o bardo antigo
Das priscas eras, que bem longe vão,
O grande nada dos heróis, que dormem
Do vasto pampa no funéreo chão...
 
 
Duas grandezas neste instante cruzam-se!
Duas realezas hoje aqui se abraçam!...
Uma -- é um livro laureado em luzes...
Outra --  uma espada, onde os lauréis se enlaçam.
Nem cora o livro de ombrear coto sabre...
Nem cora o sabre de chamá-lo irmão...
Quando em loureiros se biparte o gládio
Do vasto pampa no funéreo chão.
 
 
E foram grandes teus heróis, ó pátria,
 -- Mulher fecunda, que não cria escravos  -- ,
Que ao trom da guerra soluçaste aos filhos:
"Parti  --  soldados, mas voltei-me  --  bravos!
E qual Moema desgrenhada, altiva,
Eis tua prole, que se arroja então,
De um mar de glórias apartando as vagas
Do vasto pampa no funéreo chão.
 
 
E esses Leandros do Helesponto novo
Se resvalaram  --  foi no chão da história...
Se tropeçaram  --  foi na eternidade...
Se naufragaram -- foi no mar da glória...
E hoje o que resta dos heróis gigantes?...
Aqui  --  os filhos que vos pedem pão...
Além  --  a ossada, que branqueia a lua,
Do vasto pampa no funéreo chão.
 
 
Ai! quantas vezes a criança loura
Seu pai procura pequenina e nua,
E vai, brincando co'o vetusto sabre,
Sentar-se à espera no portal da rua...
Mísera mãe, sobre teu peito aquece
Esta avezinha, que não tem mais pão!...
Seu pai descansa  --  fulminado cedro  --
Do vasto pampa no funéreo chão.
 
 
Mas, já que as águias lá no sul tombaram
E os filhos d'águias o Poder esquece...
"'E grande, é nobre, é gigantesco, é santo!...
Lançai --  a esmola, e colhereis -- a prece!.
Oh! dai a esmola... que do infante lindo
Por entre os dedos da pequena mão,
Ela transborda... e vai cair nas tumbas
Do vasto pampa no funéreo chão.
 
 
Há duas cousas neste mundo santas:
 -- O rir do infante,  -- o descansar do morto..
O berço -- é a barca, que encalhou na vida,
A cova  -- é a barca do sidéreo porto...
E vós dissestes para o berço -- Avante! --
Enquanto os nautas, que ao Eterno vão,
Os ossos deixam, qual na praia as ancoras,
Do vasto pampa no funéreo chão.
 
 
É santo o laço, em qu'hoje aqui s'estreitam
De heróicos troncos -- os rebentos novos -- !
É que são gêmeos dos heróis os filhos,
Inda que filhos de diversos povos!
Sim! me parece que nest'hora augusta
Os mortos saltam da feral mansão...
E um "bravo!" altivo de além-mar partindo
Rola do pampa no funéreo chão!...

 

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